domingo, 4 de novembro de 2012

A Cultura Líquida



Jerri Almeida

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman tem sido um interprete e um crítico perspicaz da sociedade contemporânea. Observador atento e analista metódico, vem refletindo sobre o contexto complexo, desafiador e frágil dos valores atuais, apontando de forma clara e contundente os pontos problemáticos de nossa cultura. Em seu livro Capitalismo Parasitário Bauman volta seu olhar para temas como “cultura da oferta”, “consumismo”, “desejos”, “cultura do medo”, “capitalismo”, entre outros. Suas reflexões não podem ser classificadas como pessimistas, todavia, ele próprio não se considera um otimista (no seu entender, a pessoa que considera que tudo está bem), mas se define um “homem com esperança”.
Realmente, diante do mal-estar da civilização do “instantâneo”, do “crédito/consumismo/dívida”, resta-nos não abandonar a esperança no futuro. Vivemos uma sociedade do “desfrute agora e pague depois”, pois com a criação do cartão de crédito, a cultura do consumo recebeu um forte aliado. O discurso sedutor passou a ser então: “não adie a realização de seus sonhos materiais”. Se você deseja adquirir algo, mas não ganha o suficiente para isso, basta ter “crédito”. Assim, para Bauman, com os cartões de crédito foi possível inverter a ordem dos fatores, isto é, desfrute agora e pague depois.
Dessa forma, a satisfação dos desejos se ampliou consideravelmente, pois para muitas pessoas foi possível obter as coisas quando desejar e não quando ganhar o suficiente para obtê-las. A sociedade capitalista, portanto, recria periodicamente novos mecanismos para se manter dominante. O resultado disso, pelo menos para uma significativa parcela da população, é que o “depois” se transforma em “agora”, ou seja, o crédito necessita ser pago. Para Bauman: “...o pagamento dos empréstimos, contraídos para afastar a espera dos desejos e atender prontamente as velhas aspirações, tornará ainda mais difícil satisfazer os novos anseios.”[1]
Essa lógica materialista da vida contemporânea define novos padrões de comportamento, individual e coletivo, determinando, também, uma cultura da superficialidade, do “use e descarte”, onde os indivíduos são possuídos pela posse possuidora e escravos da posse que ainda não possuem. É aquilo que foi denominado de cultura da “obsolescência imediata”. A regra não é mais “acumular coisas”, mas “usar, descartar, usar...”. Nada deve dura por muito tempo que comprometa essa máxima. O ritmo para que algo se transforme em “antigo” é cada vez mais rápido, ao sabor do próprio desenvolvimento tecnológico e de suas artimanhas comerciais.
O problema é que essa “liquidez cultural” tem transitado para outros setores da vida humana com impactos, principalmente, nas relações conjugais. A velha frase: “até que a morte os separe” parece ter se tornado, na contemporaneidade, uma “peça de museu”. Para Bauman, dos objetos e dos laços espera-se que sirvam por somente algum tempo, tornando-se descartáveis são logo substituídos por outros mais novos. Ao mesmo tempo, todo esse ritmo, tremendamente rápido da vida atual, sob o impacto do imediatismo, contribui para a definição de níveis de ansiedade, impaciência e intolerância, que por sua vez também fomentam o aumento do estresse, da agressividade e do medo.
 Trata-se de uma análise realista da sociedade materialista, que também se intitula religiosa. Mas é necessário advertir o leitor que não se trata de mergulharmos numa onda de pessimismo desolador. É preciso dizer, também, que nem todas as pessoas aderiram a essa cultura liquida, pois muitas conservam valores sólidos, administrando com equilíbrio e sensatez o material com o espiritual. 
O princípio do prazer, consubstanciado na liquidez dos valores, se defronta, inexoravelmente, com o princípio da realidade, definido nas leis naturais da vida. Isso significa que todo prazer que termina gerando um desprazer deve ser reavaliado. São as leis da vida nos chamando para a realidade mais profunda. Dessa forma, a ansiedade, o estresse, o medo, os desafios conjugais e familiares, a violência urbana, a corrupção, entre outros, são os sintomas dessa sociedade que adoeceu. 
Por muito tempo, desde Aristóteles, se tenta encontrar respostas para  explicar o que é uma “vida boa”. O ser humano tem buscado equacionar essa questão através da satisfação dos desejos, intensificando a busca pelo prazer material. Para lográ-lo, muitos têm rompido, e corrompido, com os valores mais nobres, que dignificam o próprio sujeito. A cultura liquida nos induz, por sua vez, a depositar nesse espaço a preocupação constante com os valores utilitaristas e superficiais do mundo. Todavia, nos momentos de desafios pessoais, a quase ausência de valores construídos interiormente demarcará um terrível vazio psicológico e espiritual. Como enfrentar problemas empobrecidos interiormente? A cultura líquida responderá simplesmente: “não sofra, tome antidepressivos...”. O materialismo não estabeleceu a impossibilidade do sofrimento, pelo contrário, vem colaborando para aumentá-lo.
A rigor, criar rotas de fuga dos compromissos sociais, afetivos e espirituais somente poderá contribuir para o esvaziamento do sujeito. Nesse sentido, observa Stuart Jeffries[2] que a liquidez dos relacionamentos emocionais ensejou o denominado “compromissofobia”, onde passam a ser cada vez mais comuns nas grandes metrópoles, os casamentos com “data de validade”, ou até que os cônjuges comecem a se cansar dos compromissos assumidos, minimizando a exposição aos “riscos” ou aos “espinhos” da convivência que se revelam gradualmente, ao sabor do tempo.
 O que isso representa? Colocar a transitoriedade no lugar da permanência é uma fuga, não do outro, mas de si mesmo. Todo relacionamento emocional duradouro necessita ser nutrido com base no “cuidado”, princípio fundamental da “conservação”. Mas “cuidar” exige esforço, trabalho interior de ambos os envolvidos para “domarem suas más inclinações” (impulsos). A liquidez dos compromissos sinaliza, por certo em muitos casos, um processo imaturo, pois manter uma convivência implica o exercício regular de alguns valores ou sentimentos básicos: diálogo, renúncia, paciência, doação, respeito, entre outros.
 No conceito da cultura tradicional afirmava-se: “vivemos um para o outro”, com a modernidade líquida ficou: “vivemos para satisfação de nossas necessidades individuais”. Dessa forma, a ideia de uma vida boa tem sido definida ou relacionada, de um lado, ao exercício de uma onipotência imaginária pelo uso desenfreado da liberdade e, por outro, ao hiperconsumismo baseado na máxima: “o bastante nunca bastará”.
A cultura, no entanto, se altera conforme os imperativos do tempo, do meio e das próprias aspirações e conquistas humanas. Apesar das vulnerabilidades da cultura contemporânea, sobretudo nos aspectos já citados nesse texto, convém observarmos que os seus limites e efeitos poderá nos conduzir para novas reflexões sobre a “nossa forma de estar no mundo” ou a forma como estamos consumindo nosso tempo, nossa inteligência e, por fim, nossa saúde. O próprio Bauman tem o ensejo de proclamar:

Portanto, somos todos artistas de nossas vidas – conscientemente ou não, de boa vontade ou não, gostemos ou não. Ser artista significa dar forma e condição àquilo que de outro modo seria sem forma ou aparência. Manipular probabilidades. Impor uma “ordem” no que, de outro jeito, seria o “caos”: “organizar” uma coleção de coisas e eventos que, não fosse isso, seria caótica – aleatória, fortuita e imprevisível - , tornando ocorrência de alguns desses eventos mais provável que a de todos os outros.[3] 

NOTAS

[1] BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo Parasitário e outros temas contemporâneos. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. P. 13.
[2] Citado por Bauman in. A Arte da Vida. Pág. 25-26.
[3] BAUMAN, Zigmunt. A Arte da Vida. Op.cit. P. 163.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

À Sombra do Golpe: crise da democracia, implantação da ditadura no Brasil e os anos rebeldes


Jerri Almeida
Historiador. Especialista em Diálogos entre História e Literatura do RS.


A vexatória renúncia de Jânio Quadros à presidência da república, em agosto de 1961, instaura a denominada “crise da legalidade”, um período turbulento e delicado pela não aceitação das forças armadas à assunção do vice-presidente, João Goulart (Jango), ao poder. Os desdobramentos desse fato colocariam em xeque a incipiente e frágil democracia brasileira, culminando em 31 de março de 1964 com o golpe que implantou, por vinte e um anos, a ditadura militar no Brasil.
Jango, um homem enigmático, herdeiro do trabalhismo de Getúlio Vargas, desde fins de 1961, defendia a necessidade das “reformas de base” que atingiria a questão agrária, a universidade, a área tributária e eleitoral. O projeto de Jango sofreu forte resistência dos setores conservadores da sociedade, sendo – por fim – derrotado no Congresso. Se por um lado, havia por parte desses setores elitistas uma forte resistência à tradição do Estado Populista, personificado agora na figura de Jango, por outro, vários setores mobilizavam-se, como é o caso das Ligas Camponesas e da UNE (União Nacional dos Estudantes) visando imprimir, radicalmente, essas reformas no campo e na cidade.
Em época de Guerra Fria, sob o impacto ainda recente da Revolução Cubana (1959), a elite brasileira via com  temeridade o “fantasma do comunismo” que rondava o Brasil sob a égide das políticas sociais de João Goulart. Nesse contexto, as Forças Armadas estavam divididas em dois grupos: os que defendiam como necessárias as transformações na sociedade brasileira, e os que se opunham radicalmente ao governo Jango, acusando-o de ligações com o comunismo. O clima se acirrou, ainda mais, com o grande comício da Central do Brasil, em 13 março de 1964, no antigo Estado da Guanabara, quando, diante de uma imensa concentração de 150 mil pessoas, Goulart anunciou uma série de medidas radicais como a reforma agrária e a nacionalização das refinarias de petróleo, o que significava uma atitude que passava por cima do Congresso, explorando-se os poderes do executivo.
Entretanto, no caso de protesto do Congresso, Jango tencionava recorrer, novamente, ao “plebiscito” para demonstrar o apoio popular para suas reformas. Essa nova fase de Jango, inegavelmente, iniciou com o comício da sexta-feira 13 de março. Em seu discurso, o presidente enfatizou a necessidade da reforma agrária e de uma nova Constituição que melhorasse a ordem sócio-econômica do Brasil. Todavia, Jango jamais organizara realmente uma base de apoio popular consistente para as reformas almejadas. Para o historiador Thomas Skidmore, a aproximação de Goulart da esquerda radical, da qual fazia parte Brizola, fez com que ele perdesse o apoio dos militares.
Aquilo que para os setores de esquerda radical,  era um governo democrático, que pretendia mexer na política fundiária e diminuir o fosso das desigualdades sociais da sociedade brasileira, era, para os conservadores, proprietário de terras, políticos direitistas,  Igreja Católica, etc, o prenúncio da “desordem comunista” que deveria ser barrada. A reação inicial desses setores conservadores foi a realização em São Paulo, em 19 de março de 1964, da “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. Defendia-se o anticomunismo, a moral e a família.  Governadores como Adhemar de Barros (SP) e Carlos Lacerda (GB) chegaram, inclusive, apoiar abertamente a rebelião contra o Governo Federal.
O 13 de março solidificou a oposição a Jango. As forças políticas do Centro migraram para a Direita Radical, fortalecendo-se o discurso de que o Presidente havia rejeitado a democracia. A oficialidade militar passou a olhar para Jango como um “subversivo” e, logo, caíram no ataque. De alguma forma revivia-se o ano de 1954 quando Getulio era forçado a abandonar o poder, fato que culminou em seu suicídio.
Preparava-se, sob o comando do General Castelo Branco, o golpe, não contra Jango, mas contra a incipiente democracia brasileira.
Um conjunto de articulações, no interior das Forças Armadas, tomou vulto em 20 de março de 64. Um grupo mais intelectualizado, de oficiais, sob o comando do General Castelo Branco, preparava-se para o golpe sob o pretexto de que o papel histórico das Forças Armadas era o de defender a ordem constitucional do país. Com o apoio do Governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, o general Olympio Mourão Filho pôs suas tropas a marcharem para o Rio de Janeiro, detonando, assim, o golpe militar contra o governo João Goulart, em 31 de março de 1964.
Praticamente, a única iniciativa de resistência contra o golpe veio de Leonel Brizola, do PTB do Rio Grande do Sul. Todavia, Jango, que, para alguns historiadores, era portador de uma personalidade conciliatória, encarou com realismo a deposição, o que gerou, sabidamente, uma indisposição com seu cunhado, pois Brizola o estimulava a resistir na defesa de seu mandato.
A movimentação das tropas deslocou-se de Minas Gerais e São Paulo em direção ao Rio de Janeiro o qual era sede do 1º. Exército, do qual se esperava uma possível reação na defesa de João Goulart. O General Âncora, comandante do 1º. Exército ao telefonar para o palácio presidencial em busca de instruções, soube que o presidente havia se evadido rumo a Porto Alegre, deixando o recado de que não desejava, sob nenhuma hipótese, o choque entre militares.
Ao chegar em Porto Alegre, Jango ainda ouviu o apelo desesperado de Brizola, informando que o General Ladário Teles, comandante do 3º. Exército, estava ao seu lado oferecendo resistência, muito embora, o próprio governador do Rio Grande do Sul, Ildo Meneghetti, que temia a guerra civil, já ter fugido para o interior do Estado. Brizola chegou a chorar para que seu cunhado resistisse, mas foi em vão.  Jango também fugiu para o interior do RS, e depois exilou-se no Uruguai, seguido, logo depois, por Brizola.
O golpe de 64 negou ao povo brasileiro o direito de amadurecer a sua experiência democrática, essencial para o aperfeiçoamento das instituições e dos poderes, além de bloquear, por 21 anos, a construção de um país com mais justiça social. Não era a primeira vez que as forças armadas intervinham para obstaculizar os conflitos da política brasileira. Em 1954 algumas ações já haviam sido feitas. Mas em 1964, pela primeira vez, o exército estava unido contra o populismo, o qual: “pretendia perturbar a democracia brasileira.”
A esquerda brasileira, na órbita de seu radicalismo, ficou perplexa, e perdida, diante do golpe. É bom que se diga que João Goulart foi deposto por uma revolta militar e não por uma elite política oposicionista. O próprio Congresso Nacional não havia endossado nenhum pedido de impeachment, pois sabiam não haver votos suficientes. Seja como for, o Brasil, a partir da implementação do regime ditatorial, mergulhou numa infame névoa que obscureceu, sistematicamente, a liberdade de expressão e de participação política da população. Mais, os governos que se iniciavam souberam destroçar completamente o sistema político formado durante o período democrático.
A poderosa máquina repressiva, instalada, principalmente, a partir da decretação do Ato Institucional no. 5, fez com que o “combate à subversão” justificasse a total liberdade de ação de órgãos policiais que espalhavam terror sobre a sociedade, prendendo, torturando e assassinando supostos comunistas. As mortes, nos porões do DOI-CODI, eram encobertas por versões falsas de “atropelamento” ou “morte por acidente de trabalho”.
A arbitrariedade do poder, pelo governo ditatorial, se fez presente na censura aos meios de comunicação, nos festivais de música, no teatro, nas escolas e nos cinemas. Sem condições de produzir, uma significativa parcela de artistas e intelectuais brasileiros viram-se constrangidos ao exílio. Era a fase do: “Brasil: ame-o, ou deixe-o”. Na verdade, “amar o Brasil” era aceitar as arbitrariedades do próprio regime.
O golpe de 31 de março de 1964 castrou, e por isso deve ser periodicamente relembrado, o valor inalienável da democracia e da participação efetiva das pessoas na vida de seu país.
Chegando ao poder, os militares realizaram profunda alteração constitucional, promulgaram o Ato Institucional nº 1 — que cassou mandatos, suspendeu a imunidade parlamentar e direitos políticos — e promoveram a eleição, pelo Congresso Nacional, de um novo presidente, o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, que governou até 1967. Os partidos políticos foram abolidos e instalado o bipartidarismo.
No campo econômico foi definido um modelo baseado no binômio desenvolvimento/segurança. O planejamento centralizado contribuiu para a estatização da economia, desempenhando o Estado atividades de gerenciamento da produção. Como ocorreu em outros países, a crise mundial da década de 1970 agravou o problema econômico brasileiro, acentuando a concentração de renda e os problemas das populações mais pobres.
Ato Institucional nº 5 ou AI-5, decreto governamental de 13 de dezembro de 1968, assinado pelo presidente Artur da Costa e Silva, suspendendo garantias constitucionais e fortalecendo a repressão aos que se opunham ao Movimento Militar de 1964:
Através desse Ato, o presidente podia:
a) fechar o Congresso Nacional por tempo indeterminado toda vez que deputados e senadores “atrapalhassem”, com suas críticas e votações, os projetos do Governo militar;
b) suspender direitos políticos. Se um deputado ou senador fizesse “oposição exagerada”, o presidente poderia “cassa-lo”;
c) Suspender direitos legais. A partir do AI-5, tornou-se comum a polícia invadir a casa das pessoas sem autorização judicial. O preso político era levado a um local desconhecido e não podia se comunicar com seus familiares..
O recrudescimento do movimento estudantil contra o governo, bem como o início de atividades terroristas, em 1968, foram invocados como motivos para colocar em recesso o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais, e realizar novas cassações de mandatos e direitos políticos, além de aposentar funcionários públicos, sobretudo professores universitários, tidos como contrários ao regime, atingindo, entre outros, o ex-governador Carlos Lacerda. Concedeu ao presidente poder para governar por meio de decretos e estabeleceu a censura.
A tortura foi indiscriminadamente aplicada no Brasil.  Pessoas suspeitas de serem “subversivas ao sistema”, isto é, de estarem contra o governo militar, eram torturadas pelos órgãos de repressão criados pela ditadura. No caso da tortura, não se tratava apenas de produzir, no corpo da vítima, uma dor que a fizesse confessar possíveis “planos” contra o regime. A tortura também possuía um componente emocional, assim crianças eram torturadas diante de seus pais, mulheres diante do marido, marido na frente da esposa, etc. Muitos morreram ou estão desaparecidos até hoje.
O ato vigorou até 1979, quando foi revogado no processo de abertura política impulsionada no governo de Ernesto Geisel.
O fim da ditadura militar no Brasil pode ser explicado através de vários motivos. Entre eles, podemos citar:
a) a grave crise econômica do país, fruto dos enormes gastos com a construção de obras faraônicas como a ponte Rio-Niterói e a rodovia Transsamazônica. A crise do petróleo nos anos 70 colaborou para o agravamento dessa crise. A inflação aumentado e a política econômica do ministro Delfim Neto não lograram reverter a situação complexa do país.
b) o conflito entre as forças internas do próprio regime militar. Os órgãos criados para reprimir,  prender e torturar os “inimigos políticos do sistema”, com o tempo, passaram a gozar de muitos poderes, criando por conta própria uma autonomia muito grande em relação ao governo. Não foram poucos os conflitos entre delegados do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e o comando do exército pela captura dos mencionados inimigos políticos. Tal crise se agravou ainda mais quando passou a existir o chamado “esquadrão da morte”, formado por policiais civis que partiram para o extermínio de “bandidos”.
c) as pressões dos trabalhadores. A crise econômica por que passava o país fez aumentar o número de desemprego e o arrocho (perda) salarial. Na região do A,B,C paulista, região de grande concentração de indústrias metalúrgicas, os sindicados passaram a organizar grandes manifestações e greves por melhores condições de trabalho e de valorização salarial.
Diante de um quadro cercado de crises, os militares resolvem de forma “lenta e gradual” devolver o poder político do Brasil à sociedade civil.

Anos 60: os anos rebeldes

A conjuntura política dos anos 60 deu novo rumo a cultura de massas. Os militares que se estabeleceram no poder passaram a praticar a censura aos meios de comunicação, pois temiam que a influência do rádio e da televisão sobre a cultura popular pudesse ameaçar a "Segurança Nacional". Órgãos de controle dos meios de comunicação foram instalados nas rádios, jornais, revistas e redes de televisão para cuidar das informações e das notícias que seriam passadas para a população brasileira. Era a censura.
Nos outros meios de difusão cultural não foi diferente. Teatro, música, cinema também foram alvos da ditadura militar. Artistas, compositores, autores de peças teatrais foram perseguidos pelos órgãos de censura.
A produção de cultura passava pela arrogância dos militares que viam em tudo uma ameaça comunista. Por trás de uma letra de música, de um diálogo numa peça teatral ou num filme escondia-se o "perigo vermelho". De fato a rebeldia da juventude, dos intelectuais e artistas brasileiros engajados na luta contra a ditadura dava motivos para os órgãos de repressão agirem contra os meios de comunicação e de produção culturais. Esses meios, aliás, tornaram-se instrumentos da propaganda do regime militar.
Mas, mesmo assim, a arte conseguia encontrar brechas nos muros erguidos pela ditadura e, até, confrontar-se com ela. No cenário artístico-cultural duas alternativas se apresentaram: o protesto contra o regime e as denúncias e críticas aos hábitos da sociedade brasileira.
No teatro, por exemplo, o grupo Opinião em 1965 montou a peça Liberdade Liberdade. Em 1966 Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. O Teatro de Arena encenava Arena conta Zumbi e Arena conta Tiradentes. O TUCA (teatros universitários) também montava peças de protesto.
Na música Geraldo Vandré, Edu Lobo, Chico Buarque compunham letras de protesto contra o regime militar. De outro lado surgia a Jovem Guarda, com músicas que falavam de beijos, amor, sexo, numa linha de rebeldia contra costumes da época. No final dos anos 60 aparecia o Tropicalismo uma tendência artística que busca uma nova linguagem, criticando valores estabelecidos, concebendo a melodia e as letras de uma maneira diferente da Jovem Guardam, da música de protesto, da bossa nova, embora incorporasse elementos destes e de outros estilos e influências (Jimmy Hendrix, Beatles). Chegou a atingir cinema e teatro, não se limitando à música. Foram destaques da tropicália - Caetano Veloso, Gilberto Gil, os Mutantes, Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade em sua peça Macunaíma.
Tivemos também expressões da contracultura aqui no Brasil nos idos anos 60. No cinema, na literatura, no jornalismo alternativo buscava-se enfocar o homossexualismo, as minorias, as drogas, etc. Também conhecido como pós-tropicalismo teve seus destaques em nomes como Torquato Neto, Waly Sailormoon, em jornais como o Pasquim, Bondinho e Flor do Mal.
Os anos 60 significaram muito em nossa história. Primeiro pela própria ditadura militar que através da repressão, dos inúmeros atos de tortura, da censura, da propaganda acabou marcando as gerações que vivenciaram o terror daqueles anos. A juventude, principalmente, reagiu ou se conformou aos atos autoritários. A imaginação e a criatividade não foram caladas pelos instrumentos de repressão, mas muitos morreram pelas causas que defenderam. Os menos famosos, os desaparecidos políticos, os prisioneiros, aqueles que foram torturados, compõem uma legião que permanece até hoje no anonimato. É uma parcela de nossa história que não se apagará facilmente. As heranças desse passado recente com as intensas transformações estão ainda vivas no Brasil do início do século XXI.



Referências Bibliográficas

BARROS, Edgar Luiz de. O Brasil de 1945 a 1964. São Paulo: Contexto, 1994.
BRANDÃO, Antonio Carlos. DUARTE, Milton Fernandes. Movimentos culturais de juventude.  2ª. Ed. São Paulo: Moderna, 2004.
HABERT, Nadine. A Década de 70: Apogeu e crise da ditadura militar brasileira. São Paulo: Ática, 2003.
NAPOLITANO, Marcos. O regime militar brasileiro: 1964-1985. 4ª. Ed. São Paulo: Atual, 1998.
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo (1030-1964).  9ª. Ed.  Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

MAPA GRÉCIA ANTIGA