domingo, 2 de outubro de 2011

UM OLHAR SOBRE A PÓS-MODERNIDADE


O Pós-Segunda Guerra Mundial gerou não somente uma mudança na geopolítica internacional com o advento da Guerra-Fria, mas, igualmente, ensejou uma nova dinâmica no âmbito das relações humanas, estruturada sob a égide de uma sociedade tecnológica. Essa sociedade do pós-guerra,  que propôs rupturas com a idéia de totalidade ou universalidade de valores – no mundo Ocidental – é,  genericamente, denominada pós-moderna ou pós-industrial.  Enquanto a  Modernidade foi representada pela sociedade industrial que valorizava a disciplina, o controle, a estabilidade... a pós-modernidade caracteriza-se, justamente, pelo princípio da incerteza, insegurança e da relatividade. 
Na modernidade, a vida individual e coletiva era pensada a partir da idéia de um tempo linear, isto é, o passado servia de experiência para ordenar o presente e, tudo aquilo que não se lograva conquistar no presente, projetava-se em aspirações e expectativas para o futuro, ou seja, construía-se um projeto, uma meta e buscava-se persegui-la.
Em oposição a este quadro, a pós-modernidade caracteriza-se, entre outras coisas, pela ruptura com esse tempo linear: passado, presente e futuro. Fixando-se essencialmente no presente através do desejo de viver intensamente o momento. A procura pelo prazer imediato, a valorização extrema da imagem sobre a realidade, a cultura do consumo, o individualismo e a competição, ao invés de gerarem felicidade, têm construído painéis  de solidão, medo e vazio existencial.
Transitamos de uma sociedade repressiva, em todos os níveis (governos ditatoriais, família patriarcal, escola autoritária, fábricas opressoras...daí o rompimento com a idéia de “totalitarismo”, também vinculado à noção dos valores) e, no ímpeto por liberdade, adentramos num modelo de sociedade diametralmente oposta, onde tudo passou a ser permitido. Confundiu-se liberdade com libertinagem e acabamos no dilema shakespeareano do “ser ou não ser”.
Na arte, principalmente no cinema, temos a expressividade desses novos paradigmas. O Exterminador do Futuro e O Caçador de Andróides, entre tantos outros, passam-se num mundo técnico com novas regras de trabalho e ambiente biotecnológicos. Temos, portanto, o retrato da percepção caótica do espaço-tempo ou a arte do fantástico e do hiper-real.

Características da Pós-modernidade:

Incerteza: tudo parece ser incerto, falta de rumo, de segurança...;
Relatividade: cada pessoa é que deve definir os seus valores;
A fragmentação dos valores e a cultura do “descartável”: usa-se e, rapidamente, se “descarta” em busca no “novo”, do “último modelo”, etc;
Ruptura com um tempo linear: “viver o momento ao máximo” – o que importa é o “aqui e o agora”;
Hiper-real: a valorização extremada da “imagem”, da “aparência”, do “padrão de beleza imposto pela sociedade”;
Hedonismo: a busca do prazer imediato, custe o que custar;
Virtualização: “namoro virtual”, “sexo virtual”, “amigos virtuais”, “comunidades virtuais”...:

Os dilemas da vida pós-moderna projetam no seio da família múltiplas turbulências na área dos valores e dos relacionamentos. Na agitação da vida hodierna, muitos pais  preocupam-se unicamente em amparar materialmente seus filhos, negligenciando, muitas vezes, a educação moral, formadora do homem de bem. A criança socializa-se muito cedo nas creches e dispensa outras longas horas na frente de um televisor, com mensagens consumistas, agressivas e sensuais. A ausência do diálogo construtivo e orientador, na intimidade doméstica, substituído pelas conversações estéreis e negativistas, colaboram para a modelagem de um quadro sócio-educacional-familiar  muito delicado, exigindo imperiosa revisão.
Do exposto, resta-nos o desafio de estruturarmos novos e significativos referenciais de vida no seio familiar, capaz de contrapor o niilismo ou o vazio existencial que se socorre na ânsia pela posse. Depreende-se, portanto, que os dissabores da pós-modernidade, refletem a figura de um ser humano preocupado e absorvido, exacerbadamente, pelos valores externos. Compreendemos que seja necessário perseverança, em termos educacionais, para resignificarmos os valores dessa sociedade utilitarista e massificada.  O diálogo no lar, alicerçado no exemplo comportamental do pais, ensejaram às bases indispensáveis para a construção do respeito e da identificação  familiar com os valores ético-morais-espirituais. A colheita desses resultados será obra do tempo, a semeadura, entretanto, é tarefa do hoje e pertence a todos nós.

Indicações de leitura

BAUMAN, Zigmunt. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.

HALL, Stuart. A identidade Cultural na Pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editores, 2003.

LIPOVESTSKY, Gilles. A Sociedade da Decepção. Barueli/SP: Manole, 2007.






quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A GUERRA QUE NÃO TERMINOU!!

 
Jerri  Almeida


Todo o ano é a mesma coisa. Aquela data, quase mágica para os mais ufanistas, é relembrada e festejada nos diversos recantos do Rio Grande do Sul, não para se refletir criticamente sobre o fato histórico, mas para manter vivo um discurso político. Sim! Estamos nos referindo ao 20 de setembro e as comemorações da semana farroupilha.
  É interessante que o escritor gaúcho Alcy Cheuiche, ao término de seu romance intitulado A Guerra dos Farrapos, lançado por ocasião do sesquicentenário da guerra, anotou: “... a guerra até hoje não chegou ao fim.”
O que podemos depreender disso? No mínimo, que essa frase está carregada de significados nem tanto ocultos. A rigor, as relações entre o Rio Grande do Sul e o Governo Federal, no final do regime militar, foram marcadas por desentendimentos políticos e econômicos, à semelhança do que ocorrera em outras épocas e, guardadas as proporções, ainda ocorrem hoje no tocante a questão tributária. Dessa forma, as “feridas” se mantinham e, se mantém, “abertas” no que tange aos velhos discursos políticos.
Diante das situações de “crise do Estado” reatualizam-se os empolados discursos onde o problema da crise é devido, entre outra coisas, à posição “periférica” ocupada pelo Rio Grande do Sul, em relação as políticas do Governo Federal.  Em 1984, é publicado pela Secretaria de Justiça do Estado, um manifesto intitulado Carta aos libertadores onde, entre outras coisas, afirmava-se:

“A federação é uma farsa. O centralismo financeiro está levando os Estados à  insolvência. Nosso Rio Grande sofre, abalado na sua vocação de crescer pelo trabalho e ferido no seu orgulho de povo de lutas, reduzido à condição de pedinte. Jamais acalentamos o espinho divisionista, mas as razões de hoje são mais fortes que as de 35.” [1]

 Observam-se, claramente, os discursos evocativos, acirrando os velhos ideais farroupilhas no presente. Por esses, entre outros fatores, é que as comemorações da semana farroupilha se tornam, a cada ano, mais empoladas nas representações do regionalismo sulino e, portanto adequada aos sucessivos discursos políticos e ideológicos de nosso Estado. De certa forma, isso visa colocar, não o Rio Grande do Sul como protagonista de uma “grande façanha” mas, a lógica é exatamente o contrário. Trata-se de vincular a figura do Estado a uma espécie de espoliação do Governo Federal e, com isso, delegamos o teor das grandes responsabilidades a um agente externo.
Esse discurso é interessante, pois, com ele, passa-se a “deslocar” os problemas do Estado e, com isso, tenta-se – de certa forma – resguardar as responsabilidades de nossos governantes locais. Com isso, não estamos defendendo ou desconsiderando as responsabilidades federais diante da séria e evidente questão fiscal, nem mesmo estamos eximindo de responsabilidades o governo federal por sua, às vezes, excessiva centralidade política.
Em 1985, o então Ministro da agricultura e depois governador do Rio Grande do Sul, Pedro Simon, enfatizava:

“[...] A forma pela qual o Rio Grande participa da vida nacional está ancorada em dificuldades que vêm de longa data. Refiro-me à maneira tradicional de inserção do Rio Grande na política nacional. Nossa participação na vida política tem oscilado entre dois extremos. De um lado, a participação periférica no sistema de poder central. Com a revolução de 30 nossos melhores quadros políticos e administrativos emigraram para o centro do país e ocuparam posições de destaque na administração federal. O projeto de modernização que se implantou a partir daí, entretanto, não contemplava o Rio Grande com um posição destacada, equivalente a nossa contribuição para a direção da máquina estatal.”[2]

Ocorre que, passados um longo tempo da guerra farroupilha, os discursos continuam de certa forma, com a mesma tônica, enaltecendo as “diferenças históricas” do Rio Grande do Sul em relação ao Brasil. Muito embora, essas diferenças estarem, em muito, somente no imaginário coletivo dos rio-grandenses através da habilidade de seus dirigentes em “adequar a memória histórica”ao seus interesses. Com isso, as classes dominantes sulinas buscaram, historicamente, fora de suas fronteiras os “culpados” para justificar os seus problemas internos e, portanto, reforçar – ontem como hoje – uma idílica identidade que se revigora nos momentos de crise.
Assim sendo, a guerra farroupilha tem sido difundida, nos mais diversos eventos, como uma insurreição cujo caráter representava os ideais de “liberdade, igualdade e humanidade” que continuam norteando os interesses do Rio Grande do Sul. Sem pretendermos, no breve espaço desse artigo, o aprofundamento dessa questão, torna-se interessante alguns apontamentos sobre o ideário dos farrapos.
A guerra farroupilha enquadra-se no conjunto das tantas revoltas provinciais que investiram contra o Governo Central, no que tange a configuração de um modelo de Estado Nacional Brasileiro que lhes atendesse os interesses de maior liberdade econômica e política. Tal questão definiu uma conjuntura de conflitos pela redefinição de poderes entre as elites regionais, que, no caso do Rio Grande do Sul, era formada, em grande parte, pelos estancieiros e chefes militares da Campanha.
O modelo de governo defendido pelas elites pastoris, com a guerra dos farrapos, pretendia assegurar-lhes o controle sobre o Sul, já que o liberalismo farroupilha era profundamente conservador internamente. Isso fica evidente com a Constituição da República Rio-grandense em seus vários artigos e, especialmente, em seu Título II, Artigo 6º, onde se lê: “São cidadãos rio-grandenses todos os homens livres nascidos no território da República.” Ora, isso excluía do direito à cidadania os trabalhadores escravizados, os imigrantes e as mulheres. Alem do mais, a república dos farrapos excluía de votação nas assembléias paroquiais, entre outros, os que não tivessem renda anual de cem mil réis por bem de raiz, comércio ou emprego.
Ora, que modelo de liberdade é esse de que tanto os rio-grandenses se ufanam? A questão da igualdade defendida pelos farrapos era uma farsa, uma vez que eles próprios não libertaram seus cativos. A liberdade, por sua vez, vinculava-se à idéia de ganhar mais autonomia econômica e política em relação ao Império como forma de garantir a propriedade. A rigor, os farrapos formavam um grupo político, os liberais (moderados e exaltados) que não possuíam um projeto de reformas sociais, mas sim, de ampliação do seu “status quo” dominante.
 No passado, como no presente, a manipulação do imaginário social pelo discurso político, potencializa um “sentimento agregador”, indispensável para a formatação da identidade de uma coletividade. Identidade essa, formada pelas representações simbólicas que tipificam a ideologia da classe dominante. Ora, quem tem o poder de criar representações sobre o passado, manipulando a memória, tem o poder de criar “verdades” e perpetuar o próprio poder.
Nesse sentido, as “datas comemorativas” possuem essa função de manter vivo, na memória popular, os elementos simbólicos onde o passado revitaliza o presente.  No final do século XIX, Júlio de Castilhos já defendia a comemoração do 20 de setembro como uma data representativa dos ideais republicanos. Após a proclamação da república, na medida em que o PRR (Partido Republicano Rio-grandense) assumia o poder político, passava-se a definir os símbolos oficiais do Estado inspirados na guerra farroupilha.
Portanto, não é de se estranhar que a sede do governo do Estado seja denominada “Palácio Piratini”, em alusão à cidade que foi sede da república Rio-grandense. Ou que o hino Rio-grandense seja uma apologia a guerra de 35, ou então, que a bandeira tricolor do Estado represente os qualificativos da “alma gaúcha”: “a coragem”, “o sacrifício”, “o sangue derramado” para defender o Rio Grande do Sul de seus algozes.
Vivemos num Rio Grande do Sul de muitos matizes e contradições sociais que, na maioria das vezes, parecem ficar submersos, às vezes, alienados, nos festejos superficiais sem o devido aprofundamento da reflexão histórica.  Dessa forma, a sociedade gaúcha, continua sendo cooptada, pela mídia, pelo poder institucional e por certos setores intelectuais, a manter vivas as “tradições” dos “donos do poder”.  




NOTAS


[1] ALMEIDA, Jerri Roberto S. Heróis de Papel: as representações sobre a Revolução Farroupilha na Literatura. Porto Alegre: Alcance, 2007.

[2] Idem. P. 26-27.

domingo, 4 de setembro de 2011

Campanha da Legalidade

Lucas Zanoni[1]

A campanha da Legalidade iniciou com a renúncia de Jânio Quadros, então presidente do Brasil. Até hoje não se sabe explicar o real motivo da renúncia de Jânio. Especula-se que o motivo seria voltar nos braços do povo, pois seu governo era enfraquecido, sem apoio do senado e da câmara dos deputados. De certo modo, Jânio não pensou na consequência que sua renúncia traria, pensou apenas que poderia voltar ao poder, não que o congresso aceitaria a sua carta de renúncia, justamente em uma sexta-feira, naquele fatídico 25 de agosto de 1961, sete anos e um dia após a morte de Getúlio Vargas.
Jânio condecorando Che Guevara com a medalha Cruzeiro do Sul, maior honraria do Brasil. Jango na China comunista em missão diplomática. Isso tudo em plena Guerra Fria. Esses atos revoltaram ministros militares e políticos conservadores da época.
Leonel Brizola, governador do estado do Rio Grande do Sul estava disposto a defender Jango e a Constituição Federal. A participação popular foi importantíssima, pois foi essa população que elegeu Jango como vice-presidente com mais votos que o próprio presidente. Podemos dizer então que a população se sentiu traída, não somente com a renúncia de Jânio, mas também porque eles (ministros militares e conservadores de direita) não queriam fazer valer a constituição. Talvez nos dias de hoje, se algo desse gênero acontecesse não saberíamos se a população iria às ruas como fez a população em 1954 com a morte de Getúlio e em 1961 com a campanha da Legalidade.
Brizola foi valente, pois não é fácil resistir somente com a população, a brigada militar e o III Exercito contra todas as outras forças militares do país e talvez até dos EUA, que estava disposto a ajudar, pois temia que se a esquerda assumisse o poder o Brasil se tornaria comunista. A rádio da Legalidade foi uma manobra perfeita de Brizola ao confiscar a rádio Guaíba elevando seus equipamentos para os porões do palácio Piratini, onde a transformou na rede da Legalidade onde pronunciava discursos inflamados e em um deles chega a dizer:  
“Não pretendemos nos submeter. Que nos esmaguem! Que nos destruam! Que nos chacinem neste palácio! Chacinado estará o Brasil com a imposição de uma ditadura contra a vontade de seu povo. Esta rádio será silenciada tanto aqui como nos transmissores. O certo, porém é que não será silenciada sem balas. Tanto aqui como nos transmissores estamos guardados por fortes contingentes da Brigada Militar”.
Na rádio volta e meia tocava o hino da Legalidade feito por Paulo Cesar Pereira e Lara de Lemos. Onde diz:

“Avante brasileiros de pé
Unidos pela liberdade
Marchemos todos juntos
Com a bandeira que prega a lealdade
Protesta contra o tirano
E recusa a traição
Que um povo só é bem grande
Se for livre sua Nação”

Neste hino foi preciso trocar “gaúchos” por “brasileiros”, “legalidade” por “igualdade”.
Pode-se dizer que Jango foi inteligente ao aceitar o parlamentarismo, pois não queria ver sangue inocente sendo derramado, não queria ouvir um tiro sequer assim como Brizola. O parlamentarismo foi rejeitado pelo povo e logo em seguida Jango assume a presidência com as reformas de base. Talvez o fato de Jango não ter discursado para a população em Porto Alegre foi o único erro. Mas se pararmos para pensar ele foi um herói, pois aceitou o parlamentarismo para não ver a população sofrendo as consequências de um grupo de pessoas que estavam dispostas a tudo pelo poder.


Referências

http://www.olhardahistoria.blogspot.com/
http://legalidade50anos.blogspot.com/
http://legalidade50anos.blogspot.com/p/legalidade-50-anos.html
SILVA, Juremir Machada da. Vozes da legalidade, política e imaginário na era do radio.4ª edição. Porto Alegre: editora sulina, 2011.  



[1] Aluno do 3º Ano do Ensino Médio da Escola Estadual de Educação Básica Prudente de Morais.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O tiro que parou o Brasil


Aquela parecia uma manhã como todas as outras, não fosse um tiro de um colt calibre 32. Um tiro, não qualquer tiro, mas um que entraria para a História brasileira como responsável pelo fim de uma de suas mais intrigantes personalidades: Getúlio Dornelles Vargas.  Era a manhã de 24 de agosto de 1954, o dia em que um tiro parou o Brasil, era o suicídio do presidente Vargas.. Cinquenta e sete anos passaram-se e, Getúlio continua sendo, possivelmente, o líder mais estudado, pesquisado, discutido e sobre o qual mais se tem escrito em nossa historiografia.
Temido ou amado, respeitado ou odiado, Getúlio Vargas marcou importante Era na história de nosso país. Portador de uma personalidade forte, para vários de seus estudiosos, Vargas encarnou o ditador e o populista sabendo se adequar às exigências do momento histórico em que vivia, sem deixar, entretanto, de perseguir suas idéias e determinações. O período getulista, que se inicia com a Revolução de 30, ensejou uma ruptura no poder das oligarquias do sudeste, representativas dos grandes fazendeiros do café.  Getúlio, o gaúcho que iniciara sua vida política em 1909, eleito deputado estadual e percorrendo uma carreira ascendente, assumia a presidência do Brasil devido a deposição, em 24 de outubro de 1930, do então presidente Washington Luís.
Era o início de suas duas gestões, de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954. Nesse período, o Brasil aspirava o projeto nacionalista desenvolvimentista que tentava a saída para um capitalismo autônomo, não atrelado aos interesses internacionais, mas aliado à idéia de modernização urbano-industrial. Tal proposta, todavia, ensejaria um universo mais amplo de realizações, quer visando a contenção das classes trabalhadoras, com a criação da Carteira de Trabalho e da Previdência Social (1932), o salário mínimo (1940), a CLT, Consolidação das Leis do Trabalho (1943)  ou com o projeto modernizador. Desse último, vale citarmos a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, que entrou em operação em 1946 e a criação da Petrobrás, aprovada no Congresso em 3 de outubro de 1953.
Portador de uma capacidade ímpar de negociar com os mais diversos setores da sociedade, Getúlio Vargas é, ainda hoje, reconhecido por muitos de seus seguidores como o “pai dos pobres” alcunha granjeado devido ao seu estilo de governo paternalista, centrado em sua figura carismática que, entre outras coisas, “detinha a salvação do país”, concedendo benefícios importantes à classe trabalhadora. De certa forma, talvez isso explique a intensa manifestação e indignação popular com sua morte.. O povo, quando soube do ocorrido, saiu às ruas em todas as principais cidades do país enfurecido contra os setores oposicionistas de Getúlio. Carlos Lacerda,  o principal líder da UDN (União Democrática Nacional), histórico inimigo de Vargas teve, inclusive, que se refugiar no exterior.
Com seu gesto, Getúlio Vargas surpreendeu mais uma vez, derrotando seus opositores e adiando, por dez anos, o golpe militar de 1964.

Sugestão de Leitura

FAUSTO, Boris. Getúlio Vagas. O poder e o sorriso. São Paulo: Cia das Letras, 2006.

Jerri Roberto S. Almeida

sábado, 6 de agosto de 2011

NO RITMO DOS ANOS 80 - UM OLHAR SOCIOCULTURAL

 Jerri Almeida

Como esquecer a década de 80? Nessa época, o mundo passou por mudanças expressivas na geopolítica internacional, com impactos na sociedade e na cultura. O historiador britânico Eric Hobsbawm, em seu livro A Era dos Extremos, chegou a mencionar essa década como a "Era do Desmoronamento", tais os múltiplos eventos ocorridos nesse período que impactaram o mundo. Para nós brasileiros, essa década ficou profundamente marcada no contexto da transição para a redemocratização do país.
Aos poucos, um movimento foi tomando conta, mais e mais, da população brasileira que aspirava pelo retorno da democracia. No fim do ano de 1980, o Congresso finalmente aprova uma emenda constitucional que determinava a realização de eleições diretas para o governo dos Estados.  Em 1982 a população, após um longo tempo, pode escolher seus governadores. Era o prenúncio da transição sonhada por tantos brasileiros. Nesse período, Leonel Brizola assume o governo do Rio de Janeiro, tendo como vice o antropólogo Darcy Ribeiro. Iniciava-se, nesse ritmo, a campanha das Diretas Já para presidente do país. Militantes de várias orientações políticas e ideológicas se uniram para reivindicar o fim do estado de exceção, numa onda de manifestações que tomou conta do Brasil.
A ditadura atingia altos índices de impopularidade! Sob a liderança do deputado federal Ulysses Guimarães, do PMDB, o movimento das Diretas Já ampliava seu espaço, imaginando-se a sucessão do último remanescente dos governos militares: o General Figueiredo. É nesse momento que o Deputado Federal Dante de Oliveira envia ao Congresso sua emenda propondo eleições “diretas já” para presidente. Em meio aos comícios e passeatas que agitaram o País, ainda sob as pressões do decadente regime, a emenda é rejeitada.
O impasse, no entanto, seria decidido seguindo-se a velha tradição do autoritarismo brasileiro, com a realização de eleições indiretas para a escolha do novo presidente. Seguia-se, agora, a corrida política em torno dos nomes que concorreriam as eleições majoritárias no âmbito federal. As eleições terminaram polarizadas em dois candidatos: Paulo Maluf, candidato do PDS (Partido Democrático Social) à sucessão de João Batista Figueiredo, e Tancredo Neves pelo Partido da Frente Liberal (PFL) como candidato de oposição.  Em janeiro de 1985, o Congresso Nacional deu a vitória a Tancredo e seu vice, José Sarney. Chegava ao fim o regime militar que, por 21 anos, afastou a população brasileira das decisões políticas, amordaçando-a de maneira infame.
A década de 80 viu nascer a chamada Nova República no Brasil.  Mas o povo acompanhou a inusitada doença do novo presidente, o repentino internamento às vésperas de sua posse, seguido de sua morte. Foram as contingências da vida, mais do que as armações políticas, que – nesse caso – conduziram José Sarney ao posto de presidente da república. Depois disso, a sucessão de planos econômicos do governo, na tentativa de conter os altos índices de inflação que o país atingia, promoveu o aparecimento de figuras populares como as donas de casa que, regularmente, monitoravam os preços dos alimentos nos mercados, zelando pelo “congelamento dos preços”. Quem não se lembra  das “ fiscais do Sarney”?
No cenário televisivo brasileiro, o destaque foi José Abelardo Barbosa de Medeiros, o “Chacrinha”. Apresentador do programa de auditório de enorme sucesso, o Cassino do Chacrinha, foi responsável, com seu estilo singular, pela revelação de vários artistas no cenário musical brasileiro. Nos anos 80, tivemos uma verdadeira explosão do rock nacional. Bandas, saídas das garagens, passaram a ocupar a programação das rádios FMs, após fazerem sucesso no Programa do “velho guerreiro”.
O ritmo musical dos anos 80 foi bem diversificado. Ainda sob o forte impacto da ditadura militar, o rock brasileiro mostrou sua face contestatória nas letras da Plebe Rude, como nos rits: Proteção e Censura. Essa última tinha como refrão: “Unidade repressora oficial, a censura, a censura, única entidade que ninguém censura...” O chamado rock engajado discutia questões político-sociais mesclando um ritmo dançante com guitarras distorcidas e letras que criticavam, entre outros, o autoritarismo e o consumismo. Grupos como Ira, Legião Urbana e Titãs conquistavam cada vez mais o público adolescente da época.
Numa linha mais intermediária, mesclando letras românticas com críticas sociais, sobretudo investindo num estilo pop que permeava as danceterias, estava o RPM de Paulo Ricardo. Músicas como Alvorada voraz, Loiras geladas e Rádio Pirata embalaram e continuam embalando gerações.  Por sua vez, o rock irônico e debochado dos grupos Ultraje a Rigor e Camisa de Venus assumiam o lado rebelde da juventude onde temas como sexo, ciúme, relacionamentos, regados a uma boa dose de humor, eram os destaques nas letras. Lembremos de: Inútil, Ciúme, Nós vamos invadir sua prária (do Ultraje), e Eu não matei Joana D´arc (do Camisa).
A rigor, o grande evento musical dos anos 80 foi realizado em janeiro de 1985. O evento que reuniu aproximadamente 1.400 mil pessoas, foi realizado no Brasil numa atmosfera geral de euforia no contexto da eleição de Tancredo Neves: o Rock In Rio. Foram 10 dias de muita música numa verdadeira “cidade do rock” (uma área de 250 mil m2 na Barra da Tijuca – Rio de Janeiro) num impacto internacional que colocou o Rio de Janeiro no roteiro dos grandes shows mundiais. Artistas nacionais como Pepeu Gomes, Barão Vermelho, Gilberto Gil, Rita Lee, Paralamas do Sucesso, entre outros, se apresentaram com grandes estrelas da música internacional como, por exemplo: AC/DC, George Benson, B52, James Taylor, Iron Maiden, etc.
Nesse período destacou-se, também, o rock gaúcho.  As “bandas de garagem” aqui tiveram sua plenitude, sobretudo, a partir de festivais promovidos por cursos pré-vestibulares na Capital. Nessa década emergiram grupos como: Taranatiriça, Replicantes, TNT, Garotos da Rua, Cascaveletes, entre outros.  Os shows e as danceterias, ambos realizados no espaço social de clubes das cidades, atraíam os adolescentes nos finais de semana.
Se for verdade que os anos 80 representaram uma verdadeira virada na história contemporânea, também é verdade que o ano de 1989 demarcou, simbolicamente, o fim da divisão do mundo em dois extremos ideológicos com o fim da guerra fria. Em certos momentos a produção artística antecede os fatos históricos. Foi o que aconteceu com a banda gaúcha Engenheiros do Hawaii ao lançar seu disco, talvez, mais popular: O Papa é pop, cujo destaque era a música  Alívio imediato. A letra fazia referência direta ao “Muro de Berlim”, antes de sua queda:

Há um muro de concreto
Entre nossos lábios
Há um muro de Berlim dentro de mim
Tudo se divide, todos se separam
Duas Alemanhas, duas Coréias
Todo se divide, todos se separam
Que a chuva caia como uma luva
Um dilúvio, um delírio
Que a chuva traga alívio imediato
Que a noite caia, de repente caia
Tão demente quanto um raio
Que a noite traga alívio imediato.

No ano em que se comemoravam os 200 anos da Revolução Francesa (1789-1989), na madrugada do dia 9 de novembro, o Muro de Berlim, tão “demente”, caiu como um “raio,”  preconizando o fim da utopia socialista do Leste Europeu e garantindo, a partir daí, a hegemonia americana no mundo. Lembremos que desde 1985 a União Soviética passava por crises e mudanças internas.  As reformas de Gorbachev conduziram  a URSS ao chamado fim do socialismo real, advindo sua fragmentação em diversas repúblicas no início dos anos 90.
Mas, o mundo também havia se assustado com a explosão, anos antes, do reator principal da usina nuclear de uma, até então, desconhecida cidade do norte da Ucrânia: Chernobyl. Com a explosão uma nuvem radiativa espalhou-se por diversos países da Europa e da Ásia, contaminando pessoas, animais e o meio ambiente. Até hoje os efeitos devastadores da radiação se fazem presentes nos países atingidos, através de doenças como o câncer.
Crises, explosões, contestações...Liberdade! Liberdade que os jovens berlinenses por tanto tempo esperaram. Mas também os estudantes chineses, movidos por suas  angústias diante de um governo totalitário, invadem a “Praça da Paz Celestial” em Pequim , em 15 de abril de 1989.  O protesto se estendeu por semanas e agregava cada vez mais pessoas. Esperava-se que a abertura política que ocorria no Leste Europeu envolveria também a China. A imprensa internacional realizava uma grande cobertura desses protestos por abertura e liberdade. Todavia, a liderança do Partido Comunista Chinês determinou que as manifestações deveriam acabar  a qualquer custo.
O exército recebeu ordem de dispersar a multidão. No dia 5 de maio, o mundo assistiu surpreso um jovem manifestante colocar-se diante de uma fila de tanques que marchavam para dispersar a multidão. O nome desse jovem e do seu destino nada se sabe. Mas o sonho de uma China democrática morreu junto com os manifestantes na “Praça da Paz Celestial”.
Como poderíamos perder o ritmo dos anos 80, onde a juventude vivia sem computador, internet, MSN, Orkut, celular, mp3...?  Para muitos, no entanto, a década trazia mudanças que, de certa forma, sinalizavam o fim das ilusões: “Ideologia, eu quero uma pra viver”,  “a gente não sabemos escolher presidente”, "ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação”. E, finalmente, nós brasileiros nos indagávamos: “Que país é esse?”
Lembremos que a história é um processo de mudanças e de permanências. O século 21 apresentou-nos um novo panorama sociocultural, sem dúvida, mas foi na década de 80 que nos sentimos, e refiro-me a geração dos “quarentões” de hoje, um pouco mais protagonistas da história.  

Referências
 
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos. O breve Século XX. 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
PESAVENTO, Sandra J. O Brasil Contemporâneo. 2a. Ed. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1994.
Cultura e Música anos 80, disponível em: http://www.autobahn.com.br/


segunda-feira, 1 de agosto de 2011

SURGIRAM MUDANÇAS, MAS A EXPLORAÇÃO CONTINUAVA – O BRASIL NA REPUBLICA VELHA (1889-1930)

 Prof. Jerri Almeida
Texto para o 5º Semestre

Após o golpe militar que acabou com monarquia, o Brasil mudava sua forma de governo e se transformava uma República. Uma nova bandeira foi criada para substituir a antiga bandeira do Império. O lema da bandeira nacional: “Ordem e Progresso” veio da filosofia positivista do francês Augusto Comte, que pregava que o progresso somente pode ser atingido através da ordem.
Em 1891 foi estabelecida uma nova Constituição para o Brasil. Ela estabelecia, entre outras coisas:
Como forma de governo – o Brasil adotava a República e seus agentes políticos (presidente, governador, prefeito, deputados, senadores, vereadores) exerceriam mandatos por tempo limitado e seriam eleitos pelos cidadãos;
A forma de Estado – o Brasil adotava o “federalismo”, isto é, os estados teriam liberdade para eleger governador e deputados. Cada estado teria sua Constituição própria, que, entretanto, não poderia contrariar as normas da Constituição Federal;
Sistema de Governo – o Brasil adotava como sistema de governo o presidencialismo, ou seja, o presidente da república exerceria o poder executivo máximo, sendo auxiliado por ministros.
Ocorreu na 
época do
 ImpérioNos primeiros tempos da República, predominou o poder político nas mãos dos militares, mas logo depois, a partir de Prudente de Morais (1894-1898), instituiu-se uma oligarquia política onde o poder passou a ser dominado pelos grandes fazendeiros. Tal como ocorria nos últimos anos do Império, o voto continuou a ser permitido apenas às pessoas alfabetizadas, maiores de 21 anos. Estavam excluídos do direito de voto os: mendigos, criminosos, soldados, as mulheres (que eram, nessa época, quase metade da população) e os religiosos. Além disso, o voto era aberto, ou seja, o eleitor era obrigado a revelar publicamente o candidato em que votou, o que possibilitava aos grandes fazendeiros pressionar os eleitores na hora da votação.
Naquela época não existia também uma “justiça eleitoral”, como existe hoje, para fiscalizar as eleições. Sem um controle sério sobre as eleições, o processo eleitoral sofria as mais diversas fraudes: havia pessoas que votavam com o nome de outras pessoas que já haviam morrido; pessoas que votavam duas vezes, etc. O controle do processo eleitoral estava, portanto, nas mãos das elites dominantes.
Foi nessa época, também que o casamento passou a ser feito por um juiz, num cartório e passou a ser considerado o único legitimamente reconhecido. Assim, o casamento oficial deixou de ser feito na igreja para se realizar no cartório. Houve uma separação entre a Igreja e o Estado e, com isso, o catolicismo deixou de ser a religião oficial do Estado Brasileiro.
No período da República Velha, o chamado “coronelismo” existiu em diversas partes do Brasil, do Nordeste ao Rio Grande do Sul, só que de maneira diferente. De forma geral, podemos considerar por coronelismo o poder local dos grandes fazendeiros. O coronel, caracterizado pelo prestígio e poder de mando, era o chefe político local ou regional, geralmente um latifundiário, cujo poder era maior ou menor de acordo com o número de votos por ele controlado para assegurar nas eleições a vitória dos seus candidatos. .
Geralmente, o coronel exercia uma série de funções que o fazem temido e obedecido. Ele dispensava favores para seus empregados e conhecidos, ajudando doentes, arrumando empregos, apadrinhando os filhos de amigos e serviçais. Aos familiares e amigos ele distribuía empregos públicos, emprestava dinheiro, protegia-os da polícia e de inimigos políticos. Todos esses “favores”, no entanto, eram devidamente “cobrados” em época de eleições, quando o fazendeiro exigia o apoio para seus candidatos políticos.
O famoso “voto de cabresto” era outra tática usada pelos grandes proprietários rurais. Tratava-se de pressionar ou coagir o eleitor a votar em determinado candidato utilizando-se, para isso, dos seus jagunços e, até mesmo, de matadores profissionais para intimidá-lo.  
Do pondo de vista econômico, o grande produto de exportação foi o café. O segundo produto  foi a borracha da Amazônia, superando o açúcar. Era grande a compra desse produto pelos países mais desenvolvidos, principalmente, após a invenção da bicicleta com pneus de borracha, e, depois, com o surgimento do automóvel.
No nível federal, a República Velha manteve, por um bom tempo, a chamada “política do café-com-leite”. Essa política se caracterizou pela liderança dos chefes políticos do Partido Republicano Paulista e do Partido Republicano Mineiro, e resultou, entre outras coisas, num revezamento de presidentes paulistas e mineiros até 1930. Na prática, a política do café-com-leite foi um acordo entre os grupos políticos de São Paulo (que produzia café) e Minas Gerais (que produzia leite) para um apoio mútuo em época de eleição para presidente. Nessa época esses dois estados (SP-MG) possuíam a maior quantidade de eleitores do país, de forma que eles, juntos, podiam decidir as eleições. Em uma época, Minas indicava o seu candidato e São Paulo o apoiava. Quando seu mandato terminava, era a vez de São Paulo indicar o seu candidato, e Minas o apoiava. 
Na prática, nessa época não havia efetivamente uma “democracia”, pois a população mais pobre era facilmente manipulada pela classe mais abastada. Mas isso não significa que o povo brasileiro era passivo diante da exploração. Durante a República Velha houve várias revoltas populares contra o governo. Uma das mais significativas foi o movimento messiânico de Canudos, no sertão do nordeste, sob a liderança do beato Antônio Conselheiro. Seu propósito era reunir o povo pobre e oprimido numa grande comunidade independente do governo republicano. Conselheiro era monarquista e defendia a volta do antigo regime. Reuniu um grande número de seguidores, fundando no interior da Bahia, o arraial de Belo Monte, ou Canudos. Lá, os sertanejos construíram suas casas e não pagavam impostos ao governo. Rapidamente a população cresceu. Calcula-se que lá viveram entre 20 a 30 mil pessoas. Tudo isso desagradou, tanto a Igreja Católica, como os grandes fazendeiros e o próprio governo republicano, que, finalmente, empreendeu uma grande marcha contra Canudos. Após vários conbates, a cidade foi totalmente destruída, e Antônio Conselheiro foi morto.  
No final dos anos 20, uma crise política entre as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais, definiu novas configurações para as eleições presidenciais, em 1929. O candidato vencedor representava os interesses das velhas estruturas agrárias, sobretudo de São Paulo. O grupo perdedor, da Aliança Liberal, que reunia os estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, não aceita o resultado e, com o apoio de parte dos Tenentes do exército, faz uma revolução armada e depõe o então presidente Washington Luiz. A revolução cresce no Brasil, e os militares, após alguns dias no comando do país, entregam a presidência da república ao chefe da revolução: Getúlio Vargas.
A revolução de 1930 representou uma ruptura com as oligarquias agrárias iniciando um novo projeto de desenvolvimento para o país, centrado numa idéia urbano-industrial, comandada por Vargas.  Getúlio, portanto, assume como presidente do Brasil através de uma revolução, e permanecerá no poder executivo federal por quinze anos diretos. Por isso, o período entre 1930 a 1945 foi denominado: “Era Vargas.”

sexta-feira, 22 de julho de 2011

O desembarque de escravos na costa de Tramandaí.

 
 Em l850, devido às sucessivas pressões inglesas, o Brasil independente e já em seu Segundo Reinado, através da Lei Euzébio de Queiroz (Lei n.581/4 de setembro de 1850), formaliza, na prática, o fim do tráfico de cativos para o seu território. Mesmo assim, muitas iniciativas continuaram sendo feitas, embora em menor proporção, no sentido de se manter o tráfico ilegal. Em um documento “Reservado” datado de 27 de maio de 1852, temos notícias de um desembarque ilegal de escravos em Tramandaí. Trata-se de uma correspondência do Presidente da Província Luis Alves Leite de Oliveira Bello ao Chefe de polícia.
O documento informa que somente depois de passados 20 dias, é que o governo foi informado do navio ter encalhado na costa de Tramandaí. Foi determinada a prisão dos africanos e a demissão e a abertura de processo contra as autoridades policiais locais dos Distritos, por suspeitas de que essas autoridades estivessem coniventes com o fato. As autoridades policiais da Província suspeitavam que tal navio fosse construído na costa da África e também desconheciam o número total de africanos que ele conduzia.
Nessa época, Tramandaí era um distrito de Conceição do Arroio que, por sua vez, pertencia ao município de Santo Antônio da Patrulha. Se o desembarque de cativos preocupou as autoridades da Província é porque, mesmo com a proibição da Lei, continuava a ocorrer de forma ilegal, justamente por ser a mão-de-obra escravizada, fortemente empregada na região, razão pela qual se corria os riscos de tal empreendimento.
O Vice-Presidente da Província, em 31 de julho de 1852, ordena ao Promotor Público da Comarca de Porto Alegre que informe a situação do processo instalado para apurar as responsabilidades do ex-subdelegado de polícia de Maquiné (distrito de Conceição do Arroio) Ignácio de Araújo Quadros, suspeito de conivência ou omissão diante do desembarque dos escravos em Tramandaí.
Vinte escravos haviam sido aprendidos e, depois de registrados pela autoridade policial, foram enviados para trabalhos na Santa Casa de Porto Alegre e Pelotas até o Governo Imperial determinar os seus destinos, sendo que ainda haviam dezoito fugidos. O vice-presidente da Província determina ainda, que todos os africanos, existentes na Santa Casa, inclusive os aprendidos, fossem matriculados no Juízo de Órfão da Capital. Permanecia, entretanto, por parte das autoridades o receio de novos desembarques de escravos na região.
Em 15 de janeiro de 1853, o Presidente da Província João Lins Vieira emite um documento “reservado” ao Capitão Francisco Antonio de Moraes, onde menciona o referido desembarque em Tramandaí aludindo à “embarcação suspeita de empregar-se ao tráfico de africanos...”, e ordenando para que se fizessem novas diligências no local, a fim de se evitar novos desembarques. Caso fosse identificada uma nova embarcação suspeita de trafico ilegal, e, no caso de haver resistência deverá “... o referido capitão empregar as forças de que dispõe para efetuar a diligência de que vai encarregado, capturando e conduzindo para esta capital os agressores”.
Três africanos fugidos do desembarque na Costa de Tramandaí foram encontrados na casa do Subdelegado de Conceição do Arroio. Os documentos não mencionam, apurados os fatos, o que lhe aconteceu, todavia, os escravos foram apreendidos. O subdelegado de Polícia do Distrito de Maquiné, Ignácio de Araújo Quadros, foi condenado em processo de responsabilidade a cinco meses de suspensão do emprego por ter comunicado o fato com tanta demora que deu causa a não se capturarem todos os africanos desembarcados.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Jornada Sandra Jatahy Pesavento: Visões do Cárcere

Data: 15 de agosto de 2011, das 9.30h às 18.30h, no Memorial do Judiciário do RGS (Palácio da Justiça).

Percursos Historiográficos I: Exposição das obras completas, textos e imagens de Sandra Jatahy Pesavento

No Memorial do Rio Grande do Sul, aberta ao público de 15 de agosto a 03 de setembro de 2011.

Eventos em parceria com o Instituto Histórico e Geográfico do RGS, Memorial do Judiciário do RGS, Memorial do RGS, Câmara dos Vereadores de Porto Alegre, UNILASALLE, RBSTV e Zepellin Filmes. 
Mais informações no link abaixo: 


domingo, 10 de julho de 2011

Fronteiras entre o Real e o Imaginário: O diálogo possível entre História e Literatura

A produção literária, desde a Grécia Antiga, vem moldando seus enredos e suas tramas utilizando-se de contextos e fatos históricos. Os romances épicos, que em muitos casos terminam virando, contemporaneamente, filmes ou novelas de grandes sucessos, exploram os aspectos de época, muitas vezes, adicionando elementos mentais e culturais de nosso tempo.  Essa é uma questão perigosa, pois pode gerar os famosos anacronismos históricos. Seria algo como um romance que se passa no Egito, na época de um faraó qualquer, falar em “burguesia egípcia”. Ora, “burguesia” é um conceito que começa a ser construído por volta dos séculos XII-XIII, no Ocidente Medieval. Portanto, romances onde conceitos ou ideias são usados fora de seu contexto histórico, tornam-se anacrônicos.
 Todavia, a literatura propõe-se, nesses casos, a uma reinterpretação lúdica da História. Se, por um lado isso agrada ou atinge os leitores, por outro, desagrada os historiadores que veem em tal postura, uma deturpação da memória histórica, ou seja, a subjetividade do escritor reescrevendo, idilicamente a História. Tal problema é pertinente,  a nível teórico, talvez porque seja essa a representação que permanecerá não somente na memória individual do leitor, mas na própria memória coletiva das gerações.
Assim sendo, o texto literário resguarda em suas entranhas uma boa dose de “perversidade”, isto é, uma intencionalidade nem sempre clara, um componente ideológico que, independente do que pensa o autor, ganha vida própria na mente de cada novo leitor. Bakhtin[1] assevera que “A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial.” Logo, a Literatura, assim como a História, têm o poder de criar representações coletivas, forjando tradições, mitos e identidades.
Ocorre que, a partir, principalmente da segunda metade do século XX, a História passou a valorizar a produção literária enquanto fonte para a pesquisa historiográfica. A problematização do texto ficcional permite ao historiador um descortinar de novos referenciais, em seu modelo de análise. Sabemos[2] que a narrativa ficcional, ao alcançar nível artístico elevado, pode torna-se valiosa fonte documental, quando expressa os cenários, a linguagem, as concepções e visões de mundo, as relações de dominação de classes, etc.
Depreende-se que o “diálogo” entre História e Literatura se torna uma via possível de estudos de fronteiras. Em que pese essa constatação, do ponto de vista de sua função, o papel do historiador não é fazer Literatura. A tendência de historiadores utilizarem-se da produção literária, ao longo e, mais intensamente no final do século XX, para a produção do conhecimento histórico, abriu um leque de questionamentos no que, para alguns, seria a transformação da História (enquanto área do conhecimento científico) em uma espécie de expressão da própria Literatura. Nesse sentido, Chartier[3] foi incisivo ao afirmar: ”o historiador não faz literatura”, pois o ofício de historiador, para ele, possui “operações específicas” que podem ser relacionadas na seguinte dinâmica metodológica: construção e tratamento de dados, produção de hipóteses, crítica e verificação de resultados, validação da adequação entre o discurso do conhecimento e seu objeto.
A seu turno, a Literatura não é somente um fenômeno estético, mas também uma manifestação cultural e, sob esse aspecto, possui imensa organicidade de registros da experiência humana. A obra literária, portanto, dialogando com os diversos contextos sócio-culturais, permite ao historiador uma leitura problematizada, permeada de possibilidades para um “algo mais” em termos de análise da construção dos discursos e representações sobre o passado.
Logo, em cada época, as representações[4], através dos elementos discursivos, tratam de concretizar o desejado, o vivido e o não-vivido, os sonhos e aspirações: o bom cidadão, a mulher ideal, o valente guerreiro. A Literatura, nesse particular, é enfática, como apresentou Aristóteles na Poética: “[...] se apreende que o poeta conta, em sua obra, não o que aconteceu e sim as coisas quais poderiam vir a acontecer e que sejam possíveis tanto da perspectiva da verossimilhança como da necessidade.”
Notas


[1] BAKHTIN, Michail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 8ª ed. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 95
[2] MAESTRI, Mário. Deus é Grande o Mato é maior. História, trabalho e resistência dos trabalhadores escravizados no RS. Passo Fundo: UPF, 2002. p.131.
[3] CHARTIER, Roger. A história hoje: dúvidas, desafios, propostas. Estudos Históricos, n. 13, Jan/Jun. 1994. p. 110-112.
[4] Entendemos por “representação” as práticas e os sistemas simbólicos por meios dos quais os significados são produzidos.